EMPREENDEDORISMO: DISCIPLINA OBRIGATÓRIA NAS FACULDADES
- Marcelo Fioravante
- 3 de fev.
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Marcelo Fioravante
Orientador: Reinaldo Aparecido Domingos
Este artigo analisa a importância da implementação da disciplina de empreendedorismo nos cursos que formam profissionais liberais nas faculdades. Tal abordagem se faz necessária pois todo profissional recém formado relata dificuldade em abrir e gerir seu negócio de modo profissional, segundo constatado na pesquisa. O objetivo deste estudo é mostrar que a disciplina de empreendedorismo pode ser uma contribuição para formar bons gestores de seus negócios. Esta tarefa será conseguida mediante revisão bibliográfica de conceituados autores que discorrem sobre empreendedorismo, e pesquisa acerca da presença ou não de empreendedorismo nas atuais grades curriculares de um grupo de universidades estudadas. A análise demonstrou que a grande maioria dos cursos pesquisados não apresenta a disciplina de empreendedorismo e que a ementa que é sugerida abarca os principais conhecimentos necessários para os profissionais que pretende iniciar ou gerir seu negócio.
Palavras-chave: Empreendedorismo, Profissional Liberal, Grade Curricular, Gestão.
Introdução
Um dos maiores problemas relatados por profissionais liberais quando iniciam sua atividade empresarial, após sua formação técnica, é de como irão iniciar e fazer a gestão de seu negócio; quais pesquisas de mercado fazer, qual regime de tributação escolher, como organizar um fluxo de caixa ou como fazer uma estratégia financeira são amostras de dúvidas que pairam na cabeça desses profissionais. No decorrer de suas vidas acadêmicas, seus estudos baseiam-se predominantemente na área técnica do conhecimento, não havendo espaço para aprender sobre como empreender e gerir.
Esse artigo pretende mostrar que existe uma disciplina a ser lecionada, o empreendedorismo, que pode diminuir a dor desses profissionais recém formados, já que sua ementa discorre sobre noções preliminares de gestão empresarial; e que essa disciplina pode participar da grade curricular dos cursos que formam profissionais liberais.
Ainda, como complemento, o artigo se dispõe a apresentar uma sugestão de grade curricular básica para essa disciplina de modo que a padronização retorne bons frutos ao empresário e à sociedade.
Por fim, o artigo apresentará uma pesquisa feita em dez cursos de onze faculdades conhecidas do estado de São Paulo, e permitirá ver se a disciplina de empreendedorismo já está presente ou não na grade curricular desses cursos.
Metodologia de pesquisa
A pesquisa bibliográfica, segundo Severino (2016), é aquela que se realiza a partir dos registros disponíveis, feitos por outros pesquisadores, e engloba livros, artigos, teses etc. Nesse momento, o pesquisador passa a ter contato com o material escrito sobre o assunto escolhido. Dessa forma, este estudo baseou-se em obras da pena de Fernando Dolabela, José Assis Dornelas, Reinaldo Domingos, Paulo Ricardo Zavadil e Idalberto Chiavenato. A pesquisa bibliográfica também abarcou dois Projetos Pedagógicos de Curso de Administração de Empresas, de modo a conhecer a ementa da disciplina de Empreendedorismo.
A pesquisa de campo, ainda para Severino (2016), trata da coleta dos dados nas condições em que ocorrem. No artigo aqui trabalhado, foi feita uma pesquisa sobre a presença ou não da disciplina de empreendedorismo nas grades curriculares de dez cursos de onze faculdades do estado de São Paulo, totalizando uma amostra de sessenta e seis cursos analisados. Os cursos escolhidos são aqueles que formam profissionais liberais, e a interpretação dos resultados será apresentada no corpo do artigo.
O administrador e o curso de administração de empresas
Administrar é obter resultados por meio de pessoas e recursos. Lacombe (2009) lembra que essencialmente o administrador supervisiona e coordena a equipe e dela espera obter resultados. As empresas, via de regra, têm como figura central um gestor, um administrador de empresas, imprescindível para que a empresa exista, funciona, seja competitiva e se sustente, afirmou Chiavenato (2021). Bacharel em administração de empresas ou não, é ele o grande responsável por trazer resultado, já citou Mark Park Follet em Lacombe (2009).
Do administrador se espera saber tomar decisões, e avaliar as alternativas entre vantagens e desvantagens de cada decisão tomada. Os resultados econômicos são os mais desejados para o administrador, ainda sob a pena de Lacombe (2009). O autor também lembra a importância do conhecimento generalista de um administrador, ainda que em dado momento eles precisem se especializar. Chiavenato (2021) salienta que o administrador deve ter, para ser bem-sucedido, habilidades técnicas, humanas e conceituais, além das competências duráveis de conhecimento atualizado, habilidade na solução de problemas, julgamento com fatos críticos e atitude de saber fazer acontecer.
Dentro do curso de administração de empresas existe uma disciplina chamada empreendedorismo. Conforme se observa no Projeto Pedagógico do Curso da Faculdade de Direito de Itu (2021), na faculdade de Administração de Empresas, a ementa da disciplina de empreendedorismo tem dentre seus objetivos, além de classificar o perfil empreendedor e contar a história do empreendedorismo, ensinar sobre plano de negócios, sociedade empresária, fontes de capital, indicadores de desempenho e mindset empreendedor e empresarial. De modo congruente, a ementa do curso de administração de empresas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (2022) também objetiva, na disciplina empreendedorismo, estudar o universo corporativo, as habilidades e atitudes essenciais ao empreendedor, e como fazer o planejamento de novos negócios.
Como cita Dolabela (2008), além da paixão e de uma ideia, faz-se necessário um plano de negócios para se criar uma empresa com potencial de se manter perene. Chiavenato (2021) segue a mesma linha, apontando como o plano de negócios proporciona entender a viabilidade do negócio e ajuda a enfrentar os possíveis erros na busca dos melhores esforços. Na mesma vertente, Zavadil (2013) aponta o plano de negócios como responsável por se ter uma visão abrangente do empreendimento como um todo, avaliando riscos, identificando soluções, estabelecendo indicadores e criando pontos de checagem. Como se vê, um plano de negócios com suas devidas ramificações é sugerido por autores diversos para que um aspirante a administrador ou administrador recém empossado na função seja bem sucedido na sua empreitada empresarial.
Empreendedorismo
O tema empreendedorismo começou a ser estudado em 1725, quando o economista Richard Cantillon definiu empreendedor (entrepreneur) como o indivíduo que assume riscos. Desse momento até os dias atuais, diversos autores passaram a se debruçar sobre o tema, como Jean-Baptiste Say, Carl Menger, Ludvig von Mises e até Friedrich von Hayek. Segundo Schumpeter, um estudioso mais recente, citado em Chiavenato (2021), o empreendedorismo força a destruição criativa dos mercados e das indústrias, levando a nascer novos modelos de negócios. Peter Drucker, também citado em na mesma obra de Chiavenato (2021) entende empreendedorismo como comportamento de uma pessoa disposta a assumir riscos e despender muito tempo e capital para um investimento futuro, ainda que incerto.
Ainda sobre a definição de empreendedorismo, cabe citar Dolabela (2022), que apura o termo como uma forma de ser, com uma visão do mundo diferenciada na forma de se relacionar; ainda, entende o autor que empreendedorismo é o ato de tornar-se protagonista e autor de si mesmo; e mais, da comunidade em que vive. Quem estuda empreendedorismo passa a conhecer histórias empreendedoras e principalmente os temas diversos que a matéria dispõe.
Temas abordados em empreendedorismo
Muitos autores estudam, debatem e escrevem sobre o assunto empreendedorismo. Dornelas (2022) enfatiza em sua obra a importância de saber sobre assuntos como fluxo de caixa, ciclo de vendas, profissionalização, otimização de recursos, fontes de financiamento e investimento, e por fim networking.
Dolabela (2008), por sua vez, abarca em sua obra, quase que na totalidade, a demonstração de um plano de negócios, passando por plano de marketing até o plano financeiro, momento em que discorre sobre investimentos iniciais, apuração de resultados, fluxo de caixa, ponto de equilíbrio, payback e taxa de retorno.
Chiavenato (2021), de modo similar, apresenta em sua obra a construção de um plano de negócios, de modos mais técnico que autor anterior, acrescentando definições de empresa e suas classificações tributárias.
Domingos (2021) também trabalha empreendedorismo, mas de uma forma bastante inovadora, sugerindo ao potencial empreendedor que adote o modelo mental que prioriza o lucro dos seus negócios. Seu potencial inovador é apreciado quando seu modelo de demonstração de resultado de exercício inverte a equação tradicional, ou seja, a primeira linha da demonstração seguinte ao faturamento é o lucro, e não mais despesas de vendas, custos e outras despesas.
Benefícios em conhecer empreendedorismo
Segundo pesquisa feita pelo SEBRAE (2023), os problemas citados pelos entrevistados que explicam o fechamento de uma empresa são: pouco preparo pessoal, planejamento de negócio deficiente, gestão do negócio deficiente e problemas no ambiente como última justificativa. Conforme supracitados, o empreendedorismo é a disciplina que permite o estudo para mitigar tais problemas elencados pelos entrevistados.
Além disso, Dornellas (2022) entende em sua obra que os estudiosos dessa matéria ampliam seu conhecimento, aprendem a analisar dados, melhoram seus relacionamentos e passam a perceber mais oportunidades no meio em que estão inseridos.
Chiavenato (2021) explica que quem estuda empreendedorismo desenvolve potencial de iniciativa, perseverança, determinação, comprometimento, entendimento de metas, independência, autonomia e autocontrole.
Por fim, Domingos (2021) permite que quem lê sua obra aprenda no empreendedorismo como fazer a gestão de um negócio sustentável, focando na rentabilidade, na recorrência e na reserva; e mais, como isso pode e deve ser replicado no modelo de negócio família.
Empreendedorismo no Brasil e suas iniciativas
O empreendedor brasileiro enfrenta diversos desafios para conseguir ter futuro na sua jornada. Segundo o SEBRAE (2023), burocracia, impostos e falta de recursos humanos são os principais desafios citados; para isso, tem-se percebido pensamentos mais críticos por parte dos empreendedores, bem como soluções inovadoras e iniciativas para driblar essas adversidades.
Em 2018, a Fundação Telefônica Vivo trouxe sete políticas públicas com o intuito de incentivar o empreendedorismo no Brasil. As políticas citadas no artigo são InovAtiva (que disponibiliza cursos de capacitação e conexões com potenciais investidores), StarOut (que promove a chance de expandir negócios no mercado exterior), StartUp Brasil (um programa brasileiro de aceleração de startups), FINEP
StartUp (que apoia os empreendimentos após a fase de aceleração), ENIMPACTO (que busca favorecer um ambiente favorável ao desenvolvimento de empreendimentos que permitam transformação social), SEED (projeto que almeja transformar Minas Gerais no maior polo de inovação e empreendedorismo da América Latina), e Minha Primeira Empresa (programa que busca apoiar, capacitar e acompanhar empreendedores em fase inicial de uma empresa).
Resultados da pesquisa
Foi efetuada uma pesquisa nos sites de onze faculdades do estado de São Paulo, de dez cursos que formam predominantemente profissionais liberais: medicina, direito, engenharia civil, psicologia, pedagogia, arquitetura, educação física, fisioterapia, odontologia e administração. A amostra final teve sessenta e seis cursos estudados.
Essa pesquisa buscou, a partir dos seus respectivos projetos pedagógicos de cursos, apresentar quais teriam em suas grades curriculares a disciplina de empreendedorismo. Abaixo segue a tabela que apresenta nome da instituição de ensino, nome do curso e presença ou ausência da disciplina de empreendedorismo na grade curricular.
Presença de Empreendedorismo nas Grades Curriculares
Nome da Faculdade | Nome do Curso | Presente ou Ausente |
---|---|---|
PUC - SP | Medicina | Ausente |
PUC - SP | Administração | Presente |
PUC - SP | Direito | Ausente |
PUC - SP | Engenharia Civil | Presente |
PUC - SP | Pedagogia | Ausente |
PUC - SP | Fisioterapia | Ausente |
PUC - SP | Psicologia | Ausente |
Mackenzie - Alphaville | Direito | Ausente |
Mackenzie - Campinas | Administração | Presente |
Mackenzie - Campinas | Engenharia Civil | Presente |
Mackenzie - Higienópolis | Pedagogia | Ausente |
Mackenzie - Higienópolis | Arquitetura e Urbanismo | Presente |
Mackenzie - Higienópolis | Fisioterapia | Presente |
Mackenzie - Higienópolis | Psicologia | Ausente |
UNICAMP | Pedagogia | Ausente |
UNICAMP | Engenharia Civil | Presente |
UNICAMP | Arquitetura e Urbanismo | Ausente |
UNICAMP | Odontologia | Ausente |
UNICAMP | Medicina | Ausente |
CEUNSP | Arquitetura e Urbanismo | Presente |
CEUNSP | Direito | Presente |
CEUNSP | Educação Física | Ausente |
CEUNSP | Psicologia | Presente |
CEUNSP | Pedagogia | Ausente |
CEUNSP | Engenharia Civil | Presente |
CEUNSP | Odontologia | Ausente |
CEUNSP | Administração | Presente |
USP | Arquitetura e Urbanismo | Ausente |
USP | Direito | Ausente |
USP | Psicologia | Ausente |
USP | Administração | Presente |
USP | Pedagogia | Ausente |
USP | Engenharia Civil | Presente |
USP | Fisioterapia | Ausente |
USP | Odontologia | Ausente |
USP | Educação Física | Ausente |
UNESP | Arquitetura e Urbanismo | Ausente |
UNESP - Botucatu | Medicina | Ausente |
UNESP - Araçatuba | Odontologia | Ausente |
UNESP - Bauru | Engenharia Civil | Ausente |
UNESP - Araraquara | Pedagogia | Ausente |
UFSCAR - Sorocaba | Administração | Presente |
UFSCAR - Araras | Educação Física | Ausente |
UFSCAR - São Carlos | Engenharia Civil | Ausente |
UFSCAR - São Carlos | Pedagogia | Ausente |
UFSCAR - São Carlos | Fisioterapia | Ausente |
UFSCAR - São Carlos | Psicologia | Ausente |
Oswaldo Cruz | Administração | Presente |
Oswaldo Cruz | Engenharia Civil | Ausente |
UNIESP | Direito | Ausente |
UNIESP | Educação Física | Ausente |
UNIESP | Administração | Presente |
UNIESP | Engenharia Civil | Ausente |
UNIESP | Psicologia | Presente |
FAAP | Administração | Presente |
FAAP | Direito | Ausente |
UNIP | Administração | Presente |
UNIP | Arquitetura e Urbanismo | Ausente |
UNIP | Direito | Ausente |
UNIP | Educação Física | Ausente |
UNIP | Engenharia Civil | Ausente |
UNIP | Fisioterapia | Ausente |
UNIP | Medicina | Presente |
UNIP | Odontologia | Ausente |
UNIP | Pedagogia | Ausente |
UNIP | Psicologia | Ausente |
É importante salientar que nos cursos que a presença do empreendedorismo aparece na grade, isso acontece de diversas formas, com os seguintes nomes: Princípios de Empreendedorismo e Projetos Empreendedores (Mackenzie); Planejamento e Controle de Empreendedorismo (Unicamp); Planejamento e Gestão de Empresas e Empreendimentos (CEUNSP); Administração e Empreendedorismo (USP); Gestão de pequenas Empresas e Empreendedorismo (Ufscar Sorocaba) Empreendedorismo, Criatividade e Inovação, e Empreendedorismo e Responsabilidade Social (Uniesp); Empreendedorismo e Modelo de negócios (FAAP e UNIP).
Como se nota, com a amostra dos sessenta e seis cursos observados, incluindo administração de empresas, quarenta e cinco não apresentam a disciplina de empreendedorismo como obrigatória na grade curricular, ou seja, 68,18% dos cursos não dispõem de empreendedorismo na grade curricular. Se os nove cursos de administração de empresas não participarem da amostra, pois todos eles têm como disciplina fundamental o empreendedorismo, o número de cursos sem empreendedorismo na grade curricular sobre para 78,94%.
Considerações
Todo ano letivo que se encerra traz consigo uma enxurrada de novos formandos em diversas áreas, e dentre esses profissionais formados estão os 10 profissionais liberais. O sonho de abrir seu negócio pode criar uma grande e desafiadora situação: administrar esse negócio. Conforme percebido na pesquisa feita nesse artigo, apenas 21,06% dos cursos, excluindo o curso de administração de empresas, têm em sua grade curricular a disciplina de empreendedorismo.
A disciplina de empreendedorismo, conforme observado, tem condições de trazer luz aos desafios enfrentados pelos recém formados e sanar boa parte de suas dores de iniciar e gerir seus negócios.
O empreendedorismo consegue navegar pela implementação de um plano de negócios, pela viabilidade financeira, pelas nuances dos indicadores mais recomendados. O empreendedorismo permite ao discente criar uma diretriz organizacional com propriedade, admite entender ambiente micro e macroeconômico, vislumbra pôr fim a melhor opção tributária e empresarial do aspirante a empresário.
Perceba-se, portanto, que a dor da alienação do profissional recém formado e debutando no mercado pode esvair-se, com uma adequação das grades curriculares dos cursos. Esse egresso pode tornar-se um gestor de fato do seu negócio; vantagem inexorável dessa situação é um número maior de empresas saudáveis, sustentáveis e colaborando com o bem estar social.
Como supracitado, sugere-se como ementa do curso de empreendedorismo:
história do empreendedorismo e perfil do empreendedor,
plano de negócios, com criação de diretriz organizacional e análise de micro e macro ambiente,
análise de viabilidade financeira,
análise de demonstrações contábeis e gerenciais,
análise orçamentária,
fontes de financiamento e investimentos,
e modelos tributários existentes na legislação brasileira.
Esse estudo pretende ensejar maiores debates sobre o tema e almeja que essa discussão chegue aos tomadores de decisão diversos nas instâncias que se fizerem necessárias. Mover-se para um destino mais proficiente, ativo e multiplicador de boas ações é obrigação dos líderes públicos, privados e educacionais.